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arte de capa do primeiro encadernado por Jock |
Índios nas HQs? Você, antigo leitor da mídia, já deve estar pensando que vou falar aqui de algo parecido com "
Tex", o famoso
“fumetti” (HQs italianas) ou algo parecido. Ledo engano.
"Escalpo" (
“Scalped”, no original) é uma publicação da
"Vertigo" (selo adulto da
DC Comics), de Jason Aaron (roteiro) e JM Guéra (arte) muito mais próxima das temáticas de crime organizado, como a série de tevê
“Sopranos”, com uma história tensa, violenta e bem contada, lembrando alguns aspectos da (também ótima e recém-encerrada)
“Breaking Bad”. O clima da série mistura ainda aspectos da literatura de
“Noir” (livros policiais ambientados na época da grande depressão) e
"Western" (filmes de faroeste). Calma que daqui a pouco você vai entender do que estou falando.
Escalpo mostra a trajetória de decadência da reserva indígena norte-americana Oglata Lakota “Rosa da Pradaria”, a partir de atos de um grupo de militantes a favor das causas indígenas que culminou com o assassinato de dois agentes do FBI na década de 70. Os suspeitos do crime foram Lincoln Corvo Vermelho, Gina Cavalo Ruim (mãe de Dashiel “Dash” Cavalo Ruim, já falo sobre ele), "Apanhador" e Lawrence Bealcourt, único que ficou preso pelo crime (os demais foram soltos por falta de provas).
Sobre Dash...
Após quinze anos fora da reserva (alguns no exército dos Estados Unidos) Dash retorna à sua terra natal como um sujeito revoltado (principalmente contra sua mãe) e disposto a trabalhar como uma espécie de “segurança” ou “braço direito” do, hoje líder tribal da região, dono do "Cassino Cavalo Louco" e chefão da rede tráfico de drogas e prostituição no local, Corvo Vermelho.
Dash na verdade é um agente a serviço do FBI, cuja missão é exatamente se infiltrar cada vez mais fundo nos negócios criminosos do líder tribal a fim de colocá-lo atrás das grades, principalmente devido a uma rixa antiga entre ele e o agente Earl Nitz, chefe de Dash, que apesar da prisão de Lawrence Bealcourt, acredita que o verdadeiro responsável pelos assassinatos é Corvo Vermelho. A fim de ajudar nas investigações e investigar também a fidelidade do próprio Dash, Nitz enviou um segundo infiltrado na organização, o imprevisível Diesel, que deu dor de cabeça pra muita gente e rendeu boas histórias.
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Jason Aaron: A mente por trás da história |
Sobre o roteiro e a arte...
A história é contada de forma não-linear (repleta de importantes flashbacks) e os protagonistas vão mudando no decorrer da trama, ora mostrando tudo sob a ótica de Dash, ora Carol (filha de Corvo Vermelho, que, por acaso tem uma forte relação com Dash), outras vezes o próprio Corvo Vermelho ou Gina Cavalo Ruim, além de outros coadjuvantes, como Dino Urso Pequeno, que em determinado momento roubou a cena durante um arco inteiro da série. Interessante que apesar dessas constantes mudanças de protagonistas (ou pontos-de-vista) a série vai crescendo em sua “mitologia”. Nada está ali por acaso. Tudo conta na trama maior, que é a própria decadência da reserva e de todos os seus habitantes, sem exceção.
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Arte interna em cena de
ação por JM Guéra |
O roteirista é ousado na forma de narrar a história. Às vezes praticamente sem diálogo, mas com recordatórios que dizem muito sobre a essência dos personagens. A arte do co-criador, RM Géra, presente na grande maioria das edições da série é bela, ousada e expressiva, diferente da grande maioria do que temos por aí hoje em dia. O artista retrata muito bem as características de cada personagens e suas expressões, sobretudo de dor e desespero. Tudo em uma anatomia correta, com ótimos detalhes dos tecidos das roupas e ambientação das passagens da história, algumas se passando em salas de apartamentos, outras em trailers e outras ainda no meio de uma floresta repleta de neve.
O que aproxima das séries de teve supracitadas são as situações em que os personagens são colocados o tempo todo e decisões acabam tomando, umas mais próximas do que poderia acontecer com qualquer um de nós, outras totalmente surpreendentes (mas também possíveis), ampliando a complexidade tanto da história quanto dos personagens, que estão dispostos a tudo para conseguir o que querem, incluindo aí assassinatos, tortura, aborto, tráfico ou uso de entorpecentes entre outras coisinhas. Não procure vilões nessa série, pois você não vai encontrar. Não se trata de uma luta entre o bem e o mal, mas sim a colisão de vários egos, sem juízo de valores, pois se você fizer isso, ninguém se salva.
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Corvo Vermelho e Dash em arte de capa de uma edição da série |
Escalpo se torna mais interessante devido a ser uma publicação original em um país com tradição de segregação e preconceito e genocídio contra as nações indígenas ao ponto de serem na grande maioria das vezes retratados em suas obras (filmes, quadrinhos, séries de tevê, livros, etc.) como os vilões da história ou relegados a personagens secundários, como é o Tonto, que é um
sidekick (espécie de parceiro) do
"Cavaleiro Solitário". Aqui os personagens centrais são indígenas, mudando completamente o
status quo a que todos estávamos acostumados.
A série teve foi publicada mensalmente nos EUA a partir do início de 2007, encerrando-se no final de 2012, completando 60 edições e vem sendo publicada mensalmente no Brasil na revista "Vertigo" (panini). Escalpo é sem dúvida a melhor do mix oferecido pela revista e atualmente já está em sua reta final (hoje na edição 53).