Toda vez que começam a circular informações de que vão adaptar uma obra pra outra mídia, por exemplo, uma HQ para os cinemas, sobretudo quando se trata de grandes cânones desse tipo de arte em específico, como Alan Moore ("Watchmen", "V de Vingança") ou Neil Gaiman ("Sandman"), aparece um monte de gente xiita (no caso, "fanboys") dizendo que isso não vai dar certo, que é “Inadaptável”, que isso, que aquilo. Este texto foi pensado exatamente pra discutir esse tipo de afirmações. Será mesmo que existem algo inadaptável? Ou apenas, em alguns casos, as escolhas tomadas não são as melhores?
Na humilde opinião deste taverneiro, vários aspectos devem ser considerados na hora de adaptar e de consumir (ler, assistir, ou até mesmo ouvir um "cover" de uma canção) uma obra adaptada. Confira abaixo cinco considerações (pessoais, vale lembrar), na maioria sobre adaptações de HQs ao cinema sem ordem específica de importância sobre o assunto:
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Adaptar uma obra não é simplesmente reproduzi-la é outra mídia |
1. Adaptar é criar
O simples fato de adaptar já é produzir algo novo. Por mais que se busque a fidelidade à obra original, é impossível que dois autores concordem em tudo, linha por linha, palavra por palavra. A verdade é que até mesmo o próprio autor da obra original, às vezes se arrepende do que fez, acreditando que poderia ter feito de forma diferente, melhor. A única diferença é que se tem um ponto de partida pra começar, mas isso não quer dizer que os caminhos trilhados devem ser os mesmos. Em alguns momentos pode-se optar por um atalho, em outros, um desvio pra contar melhor (ou até mesmo inserir) histórias paralelas, o que vem acontecendo constantemente na série de tevê
"The Walking Dead", baseada na HQ homônima da
Image, que em alguns casos traduz literalmente passagens da história, em outros adapta personagens e histórias e outros cria até um monte de coisas novas.
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HQ e série de tevê: |
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Histórias similares, trajetórias diferentes... |
Não dá pra negar que há obras cinematográficas que beiram à literalidade das HQs originais, como
"Sin City" (
Robert Rodrigues,
Quentin Tarantino e
Frank Miller) e
"300" (
Zack Snyder), ambas "coincidentemente" baseadas em
Graphic Novels de
Frank Miller, mas essas são raras exceções que conseguiram ser inovadora nas duas mídias, a primeira, utilizando-se de temas recorrentes, como a literatura "
pulp" e "
noir" com uma roupagem mais moderna e o segundo dando uma visão totalmente pessoal, recheada de testosterona, boas cenas e bons diálogos à
"Batalha das Termópilas". Mesmo nas citadas há interessantes aspectos tratados de formas diferentes que, na maioria das vezes, acrescentam à trama, dando uma nova perspectiva a que assiste/lê.
2. O Público
Queira você ou não, os públicos de cinema, tevê e de quadrinhos são bem diferentes. Boa parte do segmento de mercado que curte HQs provavelmente curte ir aos cinemas ou assistir séries de tevê, porém a reciproca não será verdadeira. Porque um consumidor médio, que vai ao cinema de forma ocasional e nunca leu sequer uma HQ na vida (aliás, em muitos casos, nem sabe o que significa essa sigla). Seria exigir demais dessa pessoa "não-iniciada" conhecer a intrincada cronologia de um Batman ou Homem-Aranha pra entender história de uma hora e meia, duas horas que vem a seguir. Ela pagou o ingresso e tem direito a uma experiência completa, não concorda?
Diretores como Christoper Nolan são peritos nisso. O cara conseguiu resumir toda a mitologia do Cavaleiro das Trevas em um ótimo filme “Batman Begins” (2005), detalhe: pouco mostrando o protagonista em seu uniforme. Nolan optou por contar a história de Bruce Wayne, seus traumas, sua saga pra se tornar um mito. O resultado foi tão bom que conseguiu ser um filme bom que fala sobre um super-herói (se é que podemos chamar Batman de super. Ele é simplesmente “O Cara”) e não simplesmente um filme sobre quadrinhos. O aspecto humano foi o mais importante. Isso foi definitivo pro sucesso da franquia, que conseguiu aliar boas histórias, boas atuações, boa direção e ótima bilheteria. Difícil ouvir ou ler até mesmo um "fanboy" criticando abertamente o trabalho do diretor com o personagem.
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pra contar a história de Bruce Wayne |
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Batman foi deixado de lado... |
Um fator que muito influencia é o mercado. Não sejamos inocentes acreditando que quem investe numa adaptação do seu personagem preferido está fazendo isso simplesmente por amor à arte. A verdade é que sua preocupação maior são as cifras. Tanto que alguns ótimos filmes previstos pra serem o início de uma saga, acabam ficando pelo caminho, entrando pro hall das obras incompletas. A verdade é que não adianta ter como resultado um bom filme que não tenha apelo. Aplausos novamente ao trabalho de Nolan à frente da franquia do Batman.
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Visual do filme de 2000... |
4. Algumas coisas precisam ser mudadas...
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refletiu nas HQs |
Outro dia, comentando com um amigo sobre adaptações de HQs pro cinema, ele comentou que sentia falta dos uniformes dos "
X-Men" nos filmes dos mutantes. Eu, por outro lado, acredito que os uniformes
motoqueiros/militares de couro utilizados dos cinemas propostos por
Brian Singer faziam todo sentido na época, sobretudo pelo fato de seus filmes terem uma pegada mais
"SciFi" do que de aventuras de super-heróis, e também de ser a primeira adaptação pros anos 2000. Uma aposta ousada, mas ao meu ver, correta, pois sem ela, provavelmente poderia soar parecido com tantas outras adaptações esquecíveis dos anos 80 e 90 tanto de personagens da Marvel quanto da DC. Os uniformes de Singer foram tão importantes que influenciaram os quadrinhos, chegando aos
"Novos X-Men", de
Grant Morrison, uma visão mais moderna e atualizada dos mutantes, com grandes e importantes sagas, novos e intrigantes personagens. O próprio
Morrison "pagou pau" pro primeiro filme de
Singer em um manifesto onde colocou suas propostas pra sua passagem pelo título dos mutantes. Tudo bem que posteriormente uniformes mais parecidos com os tradicionais das HQs foram surgindo aos poucos, culminando no multicolorido
“Os Vingadores” (2012), mas sem um primeiro passo correto, provavelmente isso não teria sido possível.
Outro fato que não poderia deixar de comentar aqui é a controversa adaptação de “Watchmen” (2009) pros cinemas por Zack Snyder (“O Homem de Aço”, “300”). Houve muito mimimi, muito resmungo, principalmente por parte de Alan Moore (roteirista da obra original), mas a verdade é que tanto os uniformes (muito mais bem trabalhados e vistosos que os da Graphic Novel original) quanto algumas escolhas, como as mudanças na “arma definitiva” de Ozymandias, considero muito coerentes e plásticas que as escolhas dos quadrinhos. Houve vácuos na história? Sim. Poderia ser dividida em, pelo menos, mais um filme, mas, novamente, autor e estúdio optaram por encerrá-la em apenas um filme devido à classificação etária optada impedir menores de assistirem (como não poderia deixar de ser numa obra tão densa e violenta), o que refletiria (e acabou realmente refletindo) nas bilheterias e poderia impedir o prosseguimento da trama. Novamente, dos males, o menor.
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foram bem menos modernos, práticos e belos que os usados no filme. |
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Uniformes das HQs... |
5 ...só não se pode perder a essência no processo
Digo isso porque lembrei do Homem de Ferro, um personagem que particularmente não conheço praticamente nada da cronologia nas HQs, mas adorei o filme, sobretudo o primeiro. O diretor Jon Favreau e seus roteiristas foram muito felizes em adaptar tudo pra um passado mais recente e Robert Downey Jr. Em um renascimento artístico digno de uma fênix, foi a escolha perfeita pra viver Tony Stark nos cinemas. Certeza que sem seu carisma e outras escolhas acertadas para o filme as coisas poderiam ser bem diferentes. O cara conseguiu captar a essência do personagem, mesclar à sua própria trajetória de vida, e usá-la à seu favor, alcançando ótimos resultados.

Assim como o
Batman de
Nolan,
"Homem de Ferro" (2008) é uma história boa por si só, também por buscar bases na realidade e não apenas na fantasia. O primeiro optou por um tom mais sóbrio e sóbrio, já
Favreau, optou por contar a história daquele cara irritante, gênio, milionário, egocêntrico, alcoólatra que, após uma série de provações acordou pra vida e chamou pra si a responsabilidade de reduzir os danos do mal que ele mesmo causou ao mundo. O filme foi tão importante que acabou abrindo caminho pra uma verdadeira invasão do
Universo Marvel aos cinemas, na maioria das vezes, com ótimas produções que acabaram rendendo boas bilheterias, tanto que fizeram a
DC perceber que já tava passando da hora de investir num universo cinematográfico coeso,o que deve começar a partir do vindouro
"Batman v. Superman" no ano que vem, que deve ser um novo passo no sentido de um filme da
"Liga da Justiça".
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