Quem viveu os anos 90 sabe.... Eles foram realmente estranhos: roupas extravagantes, músicas pra lá de ruins (pagode meloso reinava, É o Tchan, New Kids On The Block, entre muitas outras coisas de qualidade pra lá de duvidosa (isso pra falar o mínimo). Quem é novo demais pra lembrar ou nasceu há menos tempo, sempre tem a boa e velha web pra resgatar vídeos, imagens e músicas da época pra conferir a tosqueira que foi. Nas HQs (salvo raríssimas exceções, como o início de Preacher, boa parte de Sandman, Os Invisíveis, entre outras coisas) a história não foi tão diferente, nem menos colorida. O mercado passava por uma grande crise, que levava as editoras a apelarem pra estratégias duvidosas em busca de sobrevivência.
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uma das capas de X-Men 1,de 91 |
Foi nessa época que as carreiras de desenhistas como Jim Lee (X-Men, WildCats), Tood McFarlane (Homem-Aranha, Spawn) e (o horroroso!) Rob Liefeld (X-Force, Youngblood) deslancharam de vez e os roteiristas, que pensavam e desenvolviam as histórias foram perdendo aos poucos espaço na produção. Resultado: histórias fracas, várias edições n° 1 pra alavancar as vendas (X-Men #1, por exemplo, a mais vendida da história das HQs é dessa época, mais precisamente 1991). Os citados acima e outros astros do mainstream da época, sobretudo da Marvel, que bombava com os títulos que ostentavam um “X” na capa, não perderam tempo e resolveram criar sua própria e coloridíssima editora: A Image, que, a bem da verdade, na grande maioria se tratavam de cópias de personagens conhecidos que teve sua ascensão (com megassucessos como Spawn, Youngblood e Gen13) e derrocada nessa mesma década, ressurgindo das cinzas nos anos 2000 com alguns grandes sucessos, como “The Walking Dead” e “O Invencível”, esses sim, com qualidade tanto na arte quanto nos roteiros.
Alavancando as vendas num mercado complicado
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Saga do clone jogou no lixo a trajetória do teioso |
Uma técnica muito utilizada para alavancar as vendas de quadrinhos foi o apelo à mais desenhos chamativos, com menos roteiro, mais cores, páginas duplas, triplas (até quádruplas) e menos balões. Outra febre da época foi o lançamento de várias capas diferentes pra uma mesma edição, com desenhos diferentes, com arte em preto e branco, acabamento metalizado, que formavam painéis enormes, etc. É dessa época o surgimento das megassagas espalhadas por vários títulos (como a horrível e interminável "Saga do Clone" do Homem-Aranha), entre outras coisas. É perceptível que muitas dessas técnicas estão voltando, ou seja, o mercado provavelmente está passando por uma situação similar e deve vir muita coisa ruim pela frente em nome do dinheiro.
Será que a indústria está passando novamente por uma crise criativo/financeira onde não estão conseguindo novamente produzir material que uma qualidade a boas vendas? O que se pode perceber, salvo algumas ótimas exceções, sobretudo quando se trata de material mais voltado a um público mais adulto (novamente), é desanimador...
A história se repete
O sinal amarelo veio junto com os Novos 52, relançamento (ou reboot ou relauch, como preferir) da DC ocorrido em 2011 nos EUA (2012 por aqui), onde a cronologia de quase todos os personagens de seu panteão foi zerada (à exceção de Batman e Lanterna Verde, que vinham de fases de grande sucesso, com grandes autores). A proposta inicial era manter 52 títulos mensais nas bancas. As vendas melhoraram num primeiro momento, mas (como já era de se esperar) não se mantiveram por muito tempo e, à medida que vão despencando, a editora vai cancelando títulos e iniciando outros, como já vem sendo feito na tevê há muito tempo, às vezes funcionando, à vezes decepcionando os fãs.
O problema é que isso não ficou apenas na DC e acabou contagiando a Marvel, que não queria ficar pra trás nas vendas e acabou lançando o projeto Marvel Now! (por aqui, Nova Marvel!), que vem sendo lançado de forma mais devagar, mas aos poucos vem “rebootando” todo seu universo quadrinhistico, continuando com as megassagas e voltando a aderir à estratégia das capas metalizadas e alternativas, em busca da grana dos fãs que desejam ter material mais exclusivo e teoricamente valioso e exclusivo (dado o número reduzido de exemplares diferenciados).
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A volta das capas alter- nativas metalizadas |
Por que isso não é interessante
Essas práticas acabam sendo perniciosas, pois muitos títulos de qualidade, cujas vendas só vão aumentando com o tempo, não tem esse tempo e acabam ficando como promessas não cumpridas, por uma prática meio “terra arrasada” de mercado, onde quem não vende é colocado de escanteio logo de cara, deixando o leitor fiel na mão em busca da próxima febre, que deve durar apenas mais uma estação (no máximo), pelo menos assim está sendo com a ótima série do Gavião Arqueiro, de Matt Fraction (Criminal)e David Aja (Demolidor), que caiu nas graças da crítica, mas não estava correspondendo nas vendas e chegará em breve ao seu fim. Da DC nem se fala, desde o início dos Novos 52 já perdi a conta do número de cancelamentos, entre os quais a do Arqueiro Verde (alguém tem alguma coisa contra caras com arco e flecha?) e Lendas do Cavaleiro das Trevas (nem "o cara" escapou), que vão sendo de pronto substituídas por outras séries tão descartáveis quanto. Não sei porque não esquecem essa fixação pelos 52 títulos mensais e se concentram em publicar menos edições por mês, tentando ao máximo aliar qualidade a bons resultados nas vendas, que, afinal, é o que faz a editora lançar mais edições.
O problema real

O lance mesmo que vem acontecendo é que temos velhas estratégias nas
HQs que estão dando certo nos cinemas, como a criação de um universo coeso e interessante, mas um, dois, no máximo três filmes por ano (
blockbusters, claro!) é totalmente diferente de 52 dois títulos nas bancas ou
comic shops. Não tem comparação.
HQs mensais são grandes histórias seriadas, o que dificulta acompanhar, fora as várias interligações, que buscam obrigar o leitor a acompanhar vários títulos pra entender um único enredo. Os filmes, querendo ou não, acabam encerrando pelo menos um capítulo, não sendo tão obrigatório ter visto o anterior ou assistir ao próximo pra ter o mínimo de compreensão, o que, mesmo se fosse definitivo, se reduziria a poucas produções, diferente do que acontece com as HQs.
As editoras devem buscar soluções no passado pra resolver problemas de mercado? Com certeza. O problema é quando o próprio mercado já mostrou que essas soluções são inviáveis e se insiste nelas mesmo assim. Acho que é hora de parar pra pensar e ver o que realmente é mais interessante no final das contas: boas produções que renderão dividendos praticamente pra sempre, como
V de Vingança (
Alan Moore e
David Gibbons),
Sandman (
Neil Gaiman, vários artistas),
Os Supremos (
Mark Millar e
Brian Hitch) ou
Dias de um Futuro Esquecido (
Chris Claremont e
John Byrne).

Interessante que se colocarmos as produções lado a lado, com certeza a
DC ganha muito mais em republicações que a
Marvel, mas, ao mesmo tempo, é a que tem tido mais problemas tanto pra adaptar seu universo de forma coesa nos cinemas quanto pra produzir novos clássicos, mais uma vez, excetuando-se seu selo adulto (
Vertigo), que sempre nos presenteia com produtos de ótima qualidade e altamente sustentáveis ao longo dos tempos.
100 balas (
Brian Azarello,
Eduardo Risso), por exemplo, teve 100 edições mensais, subdividas e 13 encadernados. O que falta é conseguir fazer o mesmo em seu universo super-heroístico tradicional. Convenhamos, do jeito que as coisas vão, fica difícil alguém ter saco pra acompanhar séries mensais. A solução pode estar bem na cara. É só olhar com mais cuidado.
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